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LETRINHAS DO RDB

Nos tempos em que jogador de futebol tinha personalidade

Nos anos 1960, o próprio jogador tinha que se acertar com os torcedores. Xingamentos, ofensas e até quando sofria ameaças de agressão, ou qualquer outra bronca, a situação se resolvia de bate pronto. E foi assim com Celso Bagre, volante do América de Joinville, que não se fez de rogado quando ouviu alguns impropérios. A resposta do jogador foi a mais rápida: baixou o calção e deu a versão definitiva para deixar em silêncio quem queria tirá-lo do sério.

A ação do jogador teve uma reação da torcida. Era Celso na frente e os torcedores atrás, em seu encalço. A corrida, tentando escapar da fúria, começou na zona sul de Joinville, onde o América foi jogar contra seu tradicional rival, o Caxias. No final, Celso chegou inteiro ao seu destino, mas nunca deixou de utilizar a mesma prática. Em qualquer ocasião onde era preciso, lá estava ele para dar mostras que seu temperamento explosivo tinha que garantir as consequências.

Celso Martins Vieira, como ele mesmo garante, tinha talento suficiente para se garantir. Era um volante que estava à frente de seu tempo. Ajudava nas tarefas de defender, mas saia para as jogadas ofensivas. Por isso, sempre estava marcando seus gols.

Nasceu em Antonina, no litoral paranaense, percorreu por diversos campos e clubes do Paraná, Santa Catarina e também em São Paulo. Já passou dos 80 anos e voltou a ficar ancorado em sua cidade natal, onde passou do futebol para a política e se elegeu vereador por duas vezes, foi candidato a deputado federal e quando foi candidato a prefeito perdeu por apenas 300 votos.

"A minha história é um pouco longa e irreverente," reconhece. Tudo começou quando foi servir o Exército, em 1958. Um conselheiro do Santos viu o garoto mostrar que poderia ser um candidato a substituto do veterano Jair Rosa Pinto.  Ganhou uma quantia para se apresentar no Peixe para fazer testes. "Foi a primeira vez que andei de avião," relembra.

No time de cima, na linha de ataque estavam Dorval, Jair Rosa Pinto, Pagão, Pelé e Pepe. Entre os reservas, a linha reunia Sormani, Celso, Coutinho, Aguinaldo e Cacalo.

O técnico Lula gostou do garoto paranaense e fez o presidente Modesto Roma adiantar 12 mil cruzeiros, mas ele nunca mais voltou. E aí a sua vaga ficou com Mengálvio. Dois anos depois, Celso ganhou outra chance, desta vez no Athletico, com o técnico Motorzinho. Ficou na reserva num amistoso contra o Taubaté. Aí já dava sinais de ser explosivo. E disse na cara do técnico: "Não vim aqui para assistir o jogo." Outra vez teve um bom adiantamento para ir até Antonina, buscar roupas, mas também não retornou. A explicação: "O pai da minha namorada exigiu que fosse para o Rio Branco de Paranaguá." Só que desta vez os dirigntes atleticanos não perdoaram o caloteiro e foram atrás dele para ter o dinheiro devolvido.

A primeira experiência "não profissional" foi em Santa Catarina, quando assinou contrato com o Peri de Mafra. O salário do Peri não era uma fábula, mas tinha o complemento como funcionário do Banco do Estado do Paraná. O futebol de Celso ajudou ao time mafrense para ser campeão local e dali paratir para as outras fases do certame estadual, contra times de Lages, Joaçaba e Caçador. O grande resultado em que o volante esteve presente foi na vitória sobre o Caxias em Joinville, onde marcou Norberto Hoppe. Em Mafra, o placar foi de empate - 2 a 2."Em Joinville, fui o quarto zagueiro e o melhor em campo, quando deixei Norberto Hoppe vermelho de vergonha por passar a mão nele," diz Celso. O jogo de desempate também foi em Joinville, quando o Caxias goleou por 7 a 0. "Meio time do Peri estava comprado, mas Celso conseguiu novamente ser o melhor em campo, apesar de ter feito um gol contra. Na classificação final do campeonato de 1960, o Metropol conquistou o título, vice o Marcílio Dias, Caxias em terceiro e o Peri na quarta colocação.

Na volta para Mafra, Celso foi descontrair em baile no Zapelin. Depois de dançar, cansado, precisou descansar no hotel, mas não teve tempo. "Chegou um Simca Chambord, placas de Joinville, onde estavam Amauri Piazera, Fausto Rocha Júnior e o técnico Helio Pimentel. Queriam me trazer para o América," diz Celso. E seria para jogar já no dia seguinte em Itajaí contra o Barroso. "Aceitei ir e dormi no vestiário," relembra da ressaca. Entrou no segundo tempo e ainda ajudou no empate por 1 a 1.

O que era para ser um teste acabou comprovando que o futebol de Celso se encaixaria perfeitamente com o que o América precisava. O acerto com o presidente Kurt Meinert ocorreu num ambiente com mesas de sinuca. Mais uma vez voltaria a ser um jogador de futebol e, ao mesmo tempo, bancário. Um diretor do Galo conseguiu que Celso fosse também funcionário do Banco de Crédito Real de Minas Gerais.

Era o ano de 1961, quando Celso chegou para a primeira de suas três temporadas no América. Retornaria em 1964 e 1966. Para reforçar o Galo, o volante precisou literalmente fugir de Mafra por ter no Planalto Norte uma torcida fervorosa. No rubro joinvilense, Celso substituiu Ceceu, que havia atuado no Flamengo carioca, além de iniciar uma amizade que dura até os dias atuais com o ponta Zezinho. Em Joinville também encontrou seu melhor futebol, apesar de alguns incidentes mais explosivos, e revela que descobriu o time de seu coração - o América.

O apelido de Bagre também surgiu com a camisa americana. "Era muito liso e jogava melhor ainda quando o dia era chuvoso. Foi assim num jogo em São Francisco do Sul, contra o Ypiranga, onde o América venceu por 4 a 0 e Celso marcou duas vezes. “Eu era bom mesmo, tinha raça. E isso que a torcida gostava," reconhece sem nenhuma modéstia. Em Antonina, Celso é conhecido por outro apelido - Máscara. "Eu era mascarado, marrento (sem ser um termo pejorativo), igual Renato Gaúcho e Romário," garante. No Galo da zona norte, o volante relembra uma das melhores formações com Erich Bosse, depois Galke, Adael, Beco, Bibe, Ibrahim, Celso, Euclides dos Reis, Tite, Daniel, Didi e Zezinho, num inconfundível sistema tático 4-2-4.

O Coritiba seria o destino de Celso em 1962, mas a proposta melhor apareceu por parte do Olímpico de Irati, que fez o volante ter dupla jornada - futebol e banco, sendo readmitido no Banestado. A peregrinação levou Celso para o Água Verde de Curitiba, vice-campeão paranaense de 1963. E ainda atuou no norte paranaense no Cambé. A viagem pelos campos levou o volante para a Portuguesa de Desportos, mas a saída do técnico Oto Glória mudaria mais uma vez seu destino. Dali iria para Portugal, junto com Oto, mas foi mesmo para Foz do Iguaçu em um campeonato não oficial.

A temporada de 1964 começou no Athletico e não teve tempo para esquentar o lugar. Estava mais uma vez no América de Joinville. "Voltei para casa," reconhece. E não esconde que o seu jeito boêmio não interferia em suas atuações. Foi uma época em que a Tupy trouxe nomes de expressão nacional, como Nílson, Picolé, Décio Crespo, Darci Farias e Coronel. E foi o lateral Coronel que fez uma grande amizade, em função que o ponta Zezinho conheceu o carioca em um período de testes que realizou no Vasco.

Quando Coronel saiu da Tupy deixou com Celso um reluzente relógio que valia uma exorbitância. "Vende o relógio e vai se encontrar comigo na Venezuela," recomendou Coronel, que queria o volante em seu novo time, desta vez no exterior, e que não se concretizou.


Badeco de volante

Clássico com o Caxias era jogo acirrado e que Celso relembra que sempre levou "a melhor sobre o Gualicho". Num destes confrontos, na zona sul, o jeito explosivo de Celso deixou o América com um jogador a menos. A jogada teve início num escanteio, com Celso tendando o cabeceio apesar da altura do goleiro Jairo. O que conseguiu foi acertar o zagueiro Coruca e sair expulso. A famosa cena do calção arriado na frente da torcida caxiense ocorreu neste jogo. "Sai correndo até a zona norte," descreve Celso.

Com um a menos, o América precisou reforçar sua defensiva. O meia direita Badeco passou a ser o volante. Até aí parecia ser apenas um troca de emergência. Antes do jogo seguinte, em Criciúma, contra o Metropol, o garoto Badeco sugeriu para Celso uma inversão de posições entre os dois. "Aceitei sem nenhum problema. E foi aí que Badeco despertou o interesse do Corinthians, fazendo sucesso nos clubes que passou a seguir," diz Celso sobre a nova posição que tornou Badeco conhecido nacionalmente.


Galo na cabeça

O América foi o último time em que Celso Bagre atuou como profissional. Retornou para Antonina e, em 1969, começou na carreira política, elegendo-se vereador. Em 1986, mesmo com apenas 3 segundos na propaganda gratuita na televisão, foi candidato a deputado federal que mais votos conseguiu em Antonina. Dois anos depois, voltou para a Câmara de Vereadores, passando a ser o presidente do legislativo antoninense. A sua grande realização no cargo foi ter conseguido o terminal do porto e até hoje o regimento interno da Câmara segue o formato de sua época. Celso acredita que na política o que lhe atrapalhou foi ser honesto. "É a minha identidade," garante.

No futebol de hoje, caso tivesse a chance de voltar, Celso Martins Vieira reconhece que "seria mais profissional". Na sua época, sem nenhuma modéstia, garante que "não tinha ninguém melhor de mim". Entre tantos times e lugares onde jogou, o volante se declara: "Sou americano da João Colin (rua principal de acesso ao estádio do América). Meu amigo Zezinho é caxiense da Getúlio Vargas."


Abraço do governador

Quando pode, Celso sempre está circulando em eventos do futebol em Joinville. Numa destas oportunidades, numa confraternização no Caldeirão do Itaum, o amigo Miltinho, de saudosa memória, chamou a sua atenção para uma pessoa importante que queria lhe cumprimentar. Chegou na frente do fã e recebeu um forte abraço do governador Luiz Henrique da Silveira, que lhe estendeu a mão e disse: "Está aqui um jogador que sou seu admirador pela raça que sempre demonstrou, principalmente defendendo o nosso América."


Americano e cuidadoso

Celso e toda uma geração de jogadores do América ficaram alojados no próprio clube. A concentração ficava entre a arquibancada e o primeiro piso do estádio. Na época em que esteve no Galo, Celso lembra que as taças ficavam espalhadas por todos os lados. Ele teve o cuidado de guardar três peças. Levou para Antonina e devolveu ao clube após a antiga concentração virar a sala de troféus do América.

Celso (à direita) em visita recente ao AméricaFoto: RDB

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